A divulgação das estimativas da Aprosoja Brasil para a safra 2023/2024 tem suscitado discussões a respeito da discrepância entre os dados reais relatados pelos produtores no dia a dia e as metodologias adotadas por órgãos oficiais e por consultorias privadas. São, pelo menos, 20 milhões de toneladas de diferença entre os 135 milhões divulgados pela entidade e os 155,26 milhões divulgados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e os 157 milhões previstos pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
Já a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que representa as grandes compradoras da nossa principal commodity, estima a safra brasileira em 160,3 milhões de toneladas. Mais preocupante ainda é a forma com que os dados são utilizados pelo mercado de grãos para definição dos preços pagos ao produtor.
Levando em consideração os efeitos práticos da “lei da oferta e demanda”, é do interesse dos compradores de grãos divulgar publicamente informações dizendo que o Brasil vai conseguir colher uma supersafra, mesmo que na realidade o campo tenha fortes quedas na produção e na produtividade por causa de problemas climáticos, como vem ocorrendo na safra 2023/2024.
Logicamente, se há informações sobre excesso de oferta de soja, o comportamento “natural” do mercado é reduzir os preços pagos aos produtores, mecanismo este que atende unicamente aos objetivos dos compradores, principais interessados na divulgação dessas estimativas.
No entanto, o mercado fecha os olhos e não leva em consideração os 21% de perdas estimados para a safra de soja em Mato Grosso, o maior produtor nacional, nem o fato de que o governo de Tocantins decretou situação de emergência em todo o estado. Partes desses estados, e regiões do Paraná, Goiás, São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, por exemplo, foram fortemente afetados pelo mesmo problema: estiagem e atraso de chuvas durante a fase germinativa das plantas e excesso de água na colheita.
Diante deste cenário climático, em que as lavouras foram atingidas pela estiagem, depois pelo excesso de chuvas e, também, por pragas, outras áreas continuam com problemas de estiagem no MS, no PR e em alguns bolsões detectados no Rio Grande do Sul. E mesmo nos cultivos que estavam, visualmente, em boas condições, os grãos não estão se desenvolvendo bem, dando baixo peso ao final. Imagine os efeitos no bolso de um produtor que investiu recursos para plantar uma safra e não vai colher o suficiente para pagar os custos de produção e o financiamento.
Evidentemente, se o mercado refletisse a realidade das lavouras, frente à grande demanda mundial pela oleaginosa, os preços estariam apresentando um comportamento inverso ao atual e reduzindo, em parte, os prejuízos causados pelo clima nesta safra. Infelizmente, como de costume, os dados da safra são superestimados artificialmente, com benefício só para os compradores e prejuízo dos produtores e do país.
Causa espanto que os próprios produtores ligados às 16 Aprosojas estaduais não sejam consultados por órgãos para fornecer dados sobre as condições das suas lavouras, ao menos não nessa safra. A verdade é que é muito difícil estimar o potencial produtivo das lavouras se o técnico não estiver presente nas áreas, pois a irregularidade produtiva em razão do clima é muito grande e a sua realidade só será revelada pela colheitadeira, e não por modelos matemáticos e imagens de satélite.
Que a agricultura brasileira é uma potência mundial, ninguém tem dúvida. Mas não podemos nos esquecer que a produção agrícola continua a ser uma “indústria a céu aberto”, na qual todos os riscos climáticos e cambiais recaem diretamente sobre os produtores rurais em um país onde o seguro agrícola é bastante limitado.
Além dos produtores, quem mais perde com a redução artificial dos preços da soja? Perde o comércio local, os prestadores de serviços e toda a população afetada pela redução do dinheiro circulante nas regiões e pela diminuição de empregos e oportunidades de trabalho.
Perde todo o setor agropecuário, desde o setor de máquinas agrícolas que passará a conviver com redução de vendas de novas máquinas; a produção de animais, que observará um preço maior das rações; perde inclusive a própria indústria de soja, que observará uma redução de oferta para a safra do ano seguinte.
Com a redução da capacidade de investimento dos produtores de soja perdem todos. Mas, principalmente, perde o Brasil, com a menor entrada de dólares da economia. A quebra da safra brasileira é uma realidade. Mas o certo é que os compradores querem que os preços (e os produtores) continuem no chão.
Considerando que a cotação da saca de soja no Brasil era de R$ 150,00 na safra passada e que este ano está abaixo de R$ 100,00 na maior parte do Brasil, com uma safra estimada de 135 milhões de toneladas, podemos dizer que já houve uma queda de R$ 112,5 bilhões em valor bruto da produção. E cada real a menos na cotação da saca representa R$ 2,2 bilhões a menos no país.
A Aprosoja Brasil já encaminhou suas estimativas e propostas ao Governo, como prorrogação imediata de parcelas por um mínimo de seis meses, seguida de criação de linha especial de refinanciamento dos agricultores, sendo estas medidas mínimas de solução do problema.
Soluções estruturantes passam pela criação de um modelo de seguro de renda, mais efetivo que a política atual de equalização de juros do crédito rural, com a equalização indo direto para os agricultores e não para bancos e seguradoras como é feito hoje.
Diante deste cenário, Governo, compradores e financiadores da safra precisam vir para a mesa negociar com os produtores uma nova estimativa de safra e ações emergenciais para os agricultores em dificuldades para evitar movimentos de produtores nas capitais e em Brasília, a exemplo do que vemos em outros países, especialmente na Europa.