A unidade de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) está desenvolvendo testes rápidos de detecção de doenças e pragas vegetais. Dois projetos liderados pelo analista de P,D&I (projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação), Emanuel Abreu, têm esse objetivo. Um para identificação da ferrugem asiática na soja e outro para detecção de duas viroses do mamoeiro.
A ideia é simplificar e tornar mais rápidos e acessíveis os diagnósticos, aumentando o tempo para medidas de controle, minimizando as perdas nas lavouras. Abreu explicou que “a aplicação dos testes é de fácil manuseio”. O material vegetal é processado manualmente e o diagnóstico sai em 20 minutos.
Ainda na fase de desenvolvimento, o grau de confiabilidade dos resultados é de aproximadamente 80%. No entanto, o coordenador do projeto ressaltou que a intenção é “ter uma confiabilidade maior”. “[Queremos algo] próximo do que é feito para um diagnóstico na área humana, que é superior a 95%”, explica.
Ferrugem asiática
O projeto para detecção da doença está em fase de desenvolvimento e validação. A proposta é que o teste seja capaz de identificar os esporos do fungo presentes no ar ou nas folhas do grão, caso estejam nos estágios iniciais da infecção. Assim, os testes poderão auxiliar na tomada da decisão do tempo de vazio sanitário e no momento da aplicação de defensivos.
“Hoje nas lavouras e em estações de monitoramento das agências de defesa existem coletores de esporos dispersos no ar contendo uma lâmina com fita dupla face [para os esporos ficarem presos]. Os agentes recolhem as lâminas periodicamente e levam para um laboratório onde é feita a análise por microscópio. Dependendo da incidência e concentração dos esporos nas lâminas, é tomada a decisão acerca do manejo fitossanitário mais adequado. […] Agora imagina fazer o diagnóstico na hora, em menos de 20 minutos, será possível tomar a decisão muito mais rápida e prática”, projeta Abreu.
A tecnologia prevê também a identificação de mutações do fungo que estão presentes na lavoura e são menos sensíveis às três classes de fungicidas liberados comercialmente no Brasil. “O objetivo é que nas fases iniciais de aparecimento dos sintomas o teste possa indicar qual genótipo está prevalente na lavoura”, apontou o coordenador.
A vantagem é poupar tempo e diminuir o custo de produção, que é alto com o uso e aplicação excessiva de defensivos. A expectativa do pesquisador e responsável pelo projeto é que a primeira fase seja concluída e disponibilizada para licitação entre 3 e 5 anos.
Viroses do mamoeiro
Em estágio mais avançado, o kit para detecção das viroses do mamoeiro já está na etapa de escalonamento, ou seja, viabilização para produção dos testes. A estimativa de Abreu é que dentro de 2 a 3 anos a tecnologia esteja disponível para o licenciamento pela Embrapa.
A forma de manuseio dos testes rápidos é semelhante ao da ferrugem asiática. Partes do mamoeiro são coletadas e o diagnóstico pode ser revelado em poucos minutos ainda no campo.
“O Kit diagnóstico será uma importante ferramenta para reduzir os custos de produção de mamão no Brasil, onde o cenário aponta perdas de 0,6% a 60% da produção, com perda média de 30%, o que representa aproximadamente R$ 21 milhões [0,6 % de perda], R$ 1,5 bilhões [30% de perda] e R$ 5.3 bilhões [60% de perda]”, calcula Abreu.
Regulamentação e falta de investimento
Mesmo com o alto potencial, as pesquisas relacionadas aos testes rápidos na agropecuária enfrentam desafios como a falta de uma regulamentação clara. Sem essas regras, a instalação de um mercado fica comprometida.
“Esse é o grande gargalo desse mercado no Brasil. O que tem hoje é focado na área humana, então a Anvisa regula isso. No entanto, no Brasil, por se tratar de uma tecnologia muito nova para a área do agro, não temos uma regulação bem definida. Então quem vai regulamentar? É o MAPA (Ministério da Agricultura e Pecuária) ou a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)?”, pontuou Abreu.
Outra barreira são as poucas verbas para o desenvolvimento e aceleração da pesquisa. Emanuel Abreu disse que o valor para tocar o projeto da ferrugem asiática é de R$ 170 mil para dois anos, subsidiados pela FAPDF (Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal). Valor bem abaixo do que pode ser o prejuízo causado pela praga.
“A ferrugem da soja pode gerar até 90% de perda quando está numa fase descontrolada. Vai que surja um genótipo mutante que tem uma capacidade de resistência maior aos fungicidas liberados no Brasil e mesmo com aplicações precoces não se resolve. Imagina o impacto de bilhões de dólares no agro brasileiro. O que é R$ 170 mil [perto desse prejuízo]? Absolutamente nada”, Emanuel Abreu, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia
O Agro Estadão questionou o MAPA sobre a regulamentação dessa tecnologia. Em nota, o ministério disse que “não há, na legislação do MAPA, definição para produtos do tipo”. A pasta ressaltou que “a fabricação e comercialização de kits diagnósticos para animais enquadra-se nos textos do Decreto-Lei nº 467, de 13 de fevereiro de 1969; do Decreto 5.053, de 22 de abril de 2004; e da Instrução Normativa SDA 04 de 19 de fevereiro de 2008”.
“Considerando o disposto nestas normativas, todos os kits in vitro destinados ao diagnóstico de doença de animais que envolvam reação antígeno versus anticorpo, independentemente do local de realização do teste (se em laboratórios ou a campo), devem ser registrados no MAPA para que possam ser fabricados, importados e comercializados no Brasil”, afirmou o ministério.
Sobre a questão relacionada ao financiamento da pesquisa, a nota não traz informações.
O Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) disse ao Agro Estadão que os testes rápidos “não se enquadram nos aspectos definidos na legislação” do órgão e “são objetos pertencentes ao escopo de outros órgãos regulamentadores”.
Já a Anvisa declarou ao Agro Estadão que “produtos para uso agrícola ou veterinário com fins de diagnóstico ou tratamento são regulados pelo Ministério da Agricultura”.