O agronegócio brasileiro atravessa um momento delicado com o crescente número de pedidos de recuperação judicial no setor. A recuperação judicial deveria servir como um recurso de emergência para empresas genuinamente em crise, mas muitos casos recentes indicam que ela vem sendo usada como uma estratégia financeira para postergar problemas graves de gestão. Essa prática acaba gerando insegurança no mercado e penalizando credores, fornecedores e pequenos produtores que dependem de crédito e confiança mútua.
Muitos atores no campo consideram a recuperação judicial um importante instrumento para evitar a falência e reestruturar dívidas diante de uma conjuntura adversa. No entanto, quando usada sem um verdadeiro plano de viabilidade, a recuperação judicial deixa de cumprir seu propósito original e se transforma em uma manobra para preservar patrimônio de grandes players às custas de terceiros. Isso causa distorções no equilíbrio econômico do setor e fragiliza toda a cadeia produtiva.
O uso estratégico da recuperação judicial tem impactos negativos imediatos para o acesso a crédito no agro. Instituições financeiras e fornecedores observam o aumento das solicitações e, como resposta, endurecem as condições de empréstimo, elevando juros, exigindo garantias mais robustas ou mesmo negando crédito. Isso torna o financiamento mais caro e restrito para produtores responsáveis e pequenos empreendimentos, que acabam sendo penalizados por práticas de má gestão de outros agentes.
Quando corporações de grande porte recorrem à recuperação judicial, muitas vezes há uma inversão ética: falhas de governança e especulação no financiamento são mascaradas, enquanto a tomada de risco é socializada. Isso significa que o custo dos equívocos recai sobre credores menores, trabalhadores, cooperativas e fornecedores, gerando desequilíbrios e deselegibilidade no mercado. A consequência concreta é a perda de confiança no sistema de crédito e em parcerias de longo prazo.
Apesar de a recuperação judicial ainda ser uma via prevista por lei e com papel legítimo no resgate de empresas em dificuldade, a frequência e o padrão dos pedidos recentes mostram que o mecanismo vem sendo banalizado. Muitos produtores relatam que a crise não está relacionada a fatores externos — como clima, preço de commodities ou sazonalidade — mas sim a decisões equivocadas de investimento e má administração financeira. Isso gera dúvidas: quando a recuperação judicial é realmente uma solução e quando ela representa apenas um drible contábil?
Outra consequência grave dessa distorção é a insegurança jurídica. Com o uso indiscriminado da recuperação judicial, fornecedores e bancos passam a exigir garantias maiores e reduzir prazos na concessão de crédito, o que acaba penalizando quem opera de forma transparente e responsável. Essa restrição afeta todo o tecido produtivo, principalmente os pequenos e médios produtores, que dependem de fluxo de caixa constante para manter operações e investimentos.
Para que o setor recupere a credibilidade, é fundamental que a recuperação judicial seja usada apenas em situações de crise real, com transparência, plano viável de reestruturação e compromisso com credores. Dessa forma, é possível preservar empregos, contratos e o ciclo produtivo sem transferir riscos indevidos. Uma reestruturação bem feita pode até fortalecer o agronegócio, mas exige responsabilidade e compromisso coletivo com ética e sustentabilidade econômica.
Em resumo, a recuperação judicial no agronegócio não deve ser vista como atalho para salvar empresas mal geridas. Quando se transforma em estratégia de proteção de patrimônio, ela enfraquece a cadeia produtiva, ameaça o crédito rural e penaliza os pequenos produtores. O verdadeiro desafio hoje é usar esse instrumento apenas quando necessário, garantindo justiça, transparência e equilíbrio no campo — sem que o custo recaia sobre quem produz e contribui de fato.
Autor: Katrina Ludge

